Um encontro com Idália Sá Chaves
Nos dias 26 de março e 18 de abril de 2011 através do CFAE Coimbra Interior um grupo de professores teve a oportunidade de passar umas horas de formação num processo de reflexão e crescimento que vou aqui tentar reproduzir, em dois pequenos apontamentos que se enquadram nos temas tratados em cada um dos dias.
Evidentemente, não poderei excluir todo um conjunto de reconstruções elaboradas, próprias de qualquer ser humano quando se expõe a situações de aprendizagem.
Apontamento 1: Formação e Desenvolvimento Pessoal e Profissional.
Paradigmas e princípios de formação:
Emergência de uma nova filosofia.
Palavras-chave fundadoras de uma ideia geradora:
Informação, Conhecimento, Sabedoria, Inovação, Efeito multiplicador, Acréscimo de visão, Construção/transformação, Identidade, Valores
Resumo:
“Fazer a gestão curricular não chega….humanizar….dar a cada um oportunidade de aprender…”.(Idália, in Formação, 1º dia)
Na sala de aula professor e alunos interagem com o propósito de realizarem aprendizagens, num clima real que não se vê e que as teorias da complexidade chamam de terceiro incluído na relação pedagógica. É na interação dialógica que novas identidades se vão construindo, possibilitando um novo devir, autorizado pela motivação de melhoria contínua e pelas escolhas de espaços culturais que permitam a qualidade desejável
dessas interações. É neste ambiente relacional que atingimos um “acréscimo de visão”, juntando vários pontos de vista dos outros ao nosso ponto de vista, transformando-o.
Expandimos a nossa visão.
Esta perspetiva relacional dialógica/complexa caracteriza-se, assim por uma imaterialidade, intangibilidade, emergência, imprevisibilidade e recursividade.
No espaço da aula, não se trata apenas de transmitir informação. Há que transformar esta em conhecimento, promovendo a atribuição de sentido para que os aprendentes se apropriem dela como sua, na reconstrução do saber existente com o novo, ou, simplesmente na confirmação de conhecimento.
A competência para tal feito pedagógico exige que o professor tenha um conhecimento de si como pessoa e não só do conhecimento disciplinar específico. Pensar o próprio conhecimento, ultrapassando o quê (conteúdos) e o como (modo de ensinar e aprender), sabendo responder ao para quê (finalidade), conduz-nos à sabedoria crivada por aspetos culturais do uso desse mesmo conhecimento (valores). A valorização social de determinado conhecimento poderá ser o motivo da procura ou afastamento desse conhecimento. É assim, importante desenvolver um saber crítico, reflexivo, quer nos alunos, quer nos professores.
Educar/formar é um ato cultural para a transformalidade, para a mudança, onde os conteúdos curriculares (informação) são apenas um meio para transformar o aluno.
Em situação de ensino e aprendizagem todos nós já tivemos oportunidade de estar frente a uma professor ou formador em que nos apetece dizer: Ah!
Porquê? Porque nos deixa quase sem fôlego, sem tempo para distrações, que nos apanha a alma. Com este, sim, dá gosto!
Numa perspetiva sistémica, ecológica, o saber fazer da profissão docente (ato pedagógico) irá afastar-se de um ensino uniforme para todos, vinculado à ideia de ser professor exclusivamente de áreas científicas, para passar a ter do conhecimento uma visão global e sistémica valorizando a construção e compreensão desse conhecimento. Há que aceitar a diferença cultural e identitária de cada um. Há que ser professor ou formador de pessoas.
O educador/professor/ aquele que se propõe ensinar/ formar, deverá ter sempre presente que “Todo o ponto de vista é a vista de um ponto” e que “cada um lê com os olhos que tem e interpreta a partir de onde os pés pisam.” (Leonardo Boft, 1977 cit Idália in formação).
Apontamento 2: Desenvolvimento profissional e competência reflexiva:
O que trazem de novo os portfolios reflexivos?
Supervisão da Formação: uma abordagem complexa
Palavras-chave fundadoras de uma ideia geradora:
Memória, Compreensão, Metáforas, Supervisão, Reflexão, Observação, Interpretação, Comunicação, Novo Renascimento
Resumo:
“Quando a gente gosta, a gente cuida” . “ (….) Afeto e eficácia técnica” (Idália, in Formação, 2º dia)
O uso da memória na aprendizagem é incompleto para o processo de construção do conhecimento o qual, além da impregnação através dos canais sensoriais, necessita do fator compreensão dos conceitos e dos factos, na construção dos mapas conceptuais de cada um, com sentido e sentidos
relacionados, inter-relacionados.
Uma estratégia para auxiliar a compreensão nos alunos é o recurso às metáforas - imagens representativas da coisa primeira que se pretende adquirir - enquanto conhecimento mais profundo do que o proveniente em exclusivo pela memorização. No entanto, as metáforas sendo facilitadoras da compreensão não podem resumir-se, ao nível do saber, neste estado da história simplesmente, através da qual vivemos. É preciso ajudar os alunos a construírem o significado das metáforas, tirar delas o conhecimento científico, construindo o seu conhecimento passo a passo, sem esquecer os passos dados.
É preciso sermos professores reflexivos e este saber ser profissional tem uma estreita relação de complementaridade com as práticas de supervisão. Supervisão no seu sentido expandido, como estratégia formativa, ou seja, não só na sua dimensão vertical - mais arraigada ao conceito primeiro de supervisão que enquadra uma conceção centrada nos conteúdos os quais se supõem transmissíveis por quem sabe a quem ainda os não tem (supostamente) - mas numa dimensão horizontal onde os próprios formandos - ou outros, numa posição horizontal de poder na relação - possam
estabelecer relações de supervisão facilitando os processos de desenvolvimento com reciprocidade (s) mútua (s) promovendo, deste modo, a aprendizagem individual, enfim o seu desenvolvimento.
O uso do portfolio “ (…) ao estimular os níveis de reflexão e de consciencialização dos seus participantes e ao potenciar a possibilidade de diversificação, aprofundamento e aferição de perspetivas (….) não contribui apenas para a estruturação interpessoal do conhecimento como facilita, se desenvolvida ao longo de um período de tempo, a compreensão dos processos que traduzem o seu fluir (Sá Chaves, 2009, introdução). Os portfolios conseguem captar, desocultar e estimular os processos de desenvolvimento permitindo ao formador não apenas ajuizar, avaliar e classificar mas também reorientar
o processo formativo e aceder à dimensão da pessoalidade. Dão a possibilidade de aproximação, de fazer a distinção e compreender cada um.
É assim que os portfolios, ao serem instrumentos de estimulação e ativação do pensamento reflexivo, proporcionam uma estruturação organizativa coerente do saber e do ser, na construção da autonomia, enquanto ser singular que cada um é.
A reflexão da e sobre a ação, pode situar-se num momento prévio, concomitante ou posterior à ação (Schön (1983, 1987, cit Sá Chaves, 2009, p. 14) tornando -se uma condição imprescindível ao desenvolvimento profissional e pessoal permitindo ao narrador distanciar-se e observar-se como ator da própria prática, refletindo sobre a mesma (meta-reflexão).
A supervisão pode em conjunto com o uso dos portfolios reflexivos ser a estratégia necessária e complementar ao bom desempenho de ser professor,
transformando o aluno e transformando-se a si próprio, num desenvolvimento contínuo e continuado (espiral ascendente) ao longo da vida, num processo de autoconhecimento e atribuição de significados.
No espaço de uma aula, lugar privilegiado de ensino-aprendizagem, a supervisão não se faz num único sentido: se por um lado o professor vê, observa, o aluno, este também observa e vê o professor; ambos se interpretam. Em qualquer situação relacional isto acontece.
Recordemos que “ Cada um vê com os olhos que tem e interpreta a partir de onde os seus pés pisam”. “Para compreender como alguém vê/lê, é necessário saber quais são os seus olhos e qual é a sua visão do mundo” (cit. Sá Chaves, In formação). A visão de si e dos outros.
O processo comunicacional que se estabelece, explicita ou implicitamente, entre o eu e os outros vai influenciar a autoimagem que cada um vai construindo pelas múltiplas imagens projetadas pelo olhar dos outros sobre si. É esta forma de encarar a comunicação, implícita na relação pedagógica, como um fenómeno de interdependências, que deve preocupar-nos enquanto professores pela influência que a imagem que temos dos
alunos se exerce na sua prestação, no seu desempenho.
A prudência no falar e no dizer, onde se incluem as expressões não verbais, são qualidades comunicacionais do professor reflexivo que sabe do feedback da comunicação e da recursividade na aprendizagem, dentro dos sistemas complexos, do qual a escola e a sala de aula são exemplos. A comunicação oral é assim, importante nos sentidos que pode transportar de dar ânimo, encorajar, sem deixar de referir o que tem de ser mudado no sentido da melhoria. A comunicação não verbal, tem também a sua importância pelas leituras que se fazem dela, devendo os professores estar atentos
a toda a comunicação disfuncional, como o silêncio prolongado, sistemático de alguns alunos que podem facilmente tornar-se impercetíveis.
É preciso saber olhar a turma e o aluno na globalidade e saber usar o “efeito de zoom” sobre cada aluno, sobre cada pormenor, estando atento aos sinais exteriores (indícios) que por vezes escondem partes invisíveis, não diretamente observáveis. É preciso não só olhar (contemplar) mas ver (distinguir) e sentir (compreender).
Numa perspetiva sistémica, o todo é mais que a soma das partes; no entanto as partes estão lá “ o mar é feito de gotas, ainda que as gotas não se vejam “.
Na turma, ou em qualquer espaço e tempo formativo, podemos atingir uma melhor qualidade do ser professor e ser aluno/formando se formos capazes de uma observação global e particular sobre as pessoas em relação (vendo nos dois sentidos de um cone - visão binocular) suportada por uma avaliação de caráter formativo sistemática, praticando a supervisão, refletindo sobre os processos, e usando linguagem comunicacional funcional (que se traduz como aquela que aproxima as pessoas, capaz de pôr em relação os parceiros comunicacionais) que facilite a compreensão do que é dito, através de exercícios de reflexão.
Quando se atinge a qualidade desejável das interações atingimos um “acréscimo de visão”, sendo possível juntar vários pontos de vista dos outros ao nosso ponto de vista, cumprindo a função de educar como um ato cultural para a transformalidade.
A supervisão deve preocupar-se com o novo conhecimento (o que pode o aluno/formando vir a saber) e com a reestruturação do saber prévio, sustentando a transformabilidade e a emancipação das pessoas em que age, intervindo atempadamente na direção que se tem como finalidade.
Portfolio e supervisão constituem-se pois, como duas estratégias educativas ao serviço do professor no mundo complexo de hoje, humanizando a educação e afastando -se do paradigma da racionalidade técnica, redutor, com uma visão linear de causa - efeito.
E….. quando se gosta de ser professor, conseguimos autenticidade nas palavras (comunicação verbal) e nos gestos (comunicação não verbal) gerando a autoconfiança nos alunos para a caminhada a realizar, apreendendo os significados da escola, do aprender para quê, num contexto onde o bem-estar se instale.
Se um olhar reflexivo nos permite ver que em cada portfolio há como que gente dentro, sabendo ler as suas mensagens comunicacionais, também a escola pode ou não, ter gente dentro, ter ou não ter alma.
A escola … somos todos nós e cada um de nós. Muito dependerá da linguagem comunicacional que se estabeleça, da interpretação, compreensão e do saber pôr em relação.
Finalmente, vou citar Siqueira (2001) que lembrando Edgar Morin, esclarece que “as especializações do século XX, ao fragmentarem os contextos, as globalidades e as complexidades, dispersaram os enormes progressos do conhecimento e enfraqueceram a responsabilidade. Cada um é responsável apenas por sua tarefa especializada, o que compromete a solidariedade, os vínculos entre os concidadãos”. Este excerto parece-me que transmite a natureza humana perdida e ainda não encontrada neste novo século que aguarda um novo Renascimento (como referiu Sá Chaves), de novas
Luzes.
Se não estamos bem, que transformalidade queremos?
Contribuamos para que não haja “escolas sem alma”.
Imaginemos!!!!!
Ainda……… um Apontamento último
Tenha um tempinho e ouça Imagine de John Lennon
www.youtube.com/watch?v=XLgYAHHkPFs
Foi assim que terminou este encontro maravilhoso!
Arganil, 26 de janeiro de 2012
Maria Helena Figuinha Ramos
Professora de educação especial do Agrupamento de Escolas de Arganil
Mestre em Ciências da Educação – Psicologia da educação
Bibliografia:
CAMPOS, S. ; PESSOA, V.I.
Discutindo a formação de professoras com Donald Schön. In: GERALDI, M..G. (org). Cartografias do trabalho docente. Campinas, SP:
Mercado de Letras ALB, 1998.
EDGAR, Morin - As Grandes questões do nosso tempo
http://www.comitepaz.org.br/rumo_ao_abismo.htm). Lisboa. Editorial Noticias, 1981
FREIRE, Paulo.
Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
FREIRE,Paulo.
A importância do ato de ler. São Paulo. Cortez, 2001.
SÁ CHAVES, Idália.
Os “portfolios (também) trazem gente dentro- reflexões em torno do seu uso na humanização dos processos educativos. Porto Editora. 2005
SÁ CHAVES, Idália .
Formação, conhecimento e supervisão – contributos nas áreas da formação de professores e de outros profissionais. Universidade de Aveiro .2007
SÁ CHAVES, Idália.
Portfolios reflexivos estratégia de formação e de supervisão. Universidade de Aveiro, 2009
SIQUEIRA José Eduardo de.
Jornal Medicina, Brasília, out./dez. 2001.
eu...e as formações realizadas
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